O LBA: um experimento no contexto do desenvolvimento sustentável da Amazônia e das mudanças climáticas globais
A Amazônia contém quase a metade das florestas tropicais úmidas do mundo e uma grande área de savana tropical, o Cerrado. A vasta extensão (cerca de 7 milhões de km2) desses e posição desses biomas no Trópico Úmido fazem com que a região tenha um papel importante nos processos de circulação atmosférica global, influenciando os balanços globais de energia, água e carbono.
Nas últimas décadas, extensas áreas de florestas nativas (primárias) têm sido convertidas em pastagens e áreas agrícolas. Em apenas três décadas, 15% da Floresta Amazônica foi derrubada e cerca de 5% foram degradados pelo corte seletivo de madeira ou pelo fogo. A cada ano, 25.000 km2 de floresta são derrubados.
O LBA nasceu da preocupação da comunidade científica nacional e internacional com essas grandes alterações que a Amazônia vem sofrendo em seu ambiente natural, que poderão afetar a sua capacidade básica de auto-renovação. Presume-se que a alteração dos ciclos de água, energia solar, carbono e nutrientes, resultantes da mudança em sua cobertura vegetal, possa acarretar conseqüências climáticas em escalas local, regional e global. Sob esse cenário, a Amazônia passou a ser incluída nas discussões dos grandes programas internacionais de Mudanças Climáticas.
O primeiro movimento da comunidade internacional como um todo visando estabelecer ações conjuntas para o controle das mudanças climáticas antropogênicas (provocadas pelo ser humano) foi formalizado na Resolução 2938 da ONU, em 1967, com desdobramentos que resultaram em conferências internacionais importantes (1972, 1978, 1988).
Na década de 1980, os estudos climáticos se intensificaram e a crescente emissão de gases-estufa tornou-se então um dos principais problemas ambientais que teria que ser enfrentado por ações multinacionais coordenadas.
Em 1992, na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Rio-92) foram aprovados vários documentos: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (princípios gerais sobre interação entre desenvolvimento e meio-ambiente); a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (ou "Convenção da Biodiversidade"), a Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas e a Agenda 21, que trata de propostas genéricas envolvendo as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento sustentável. Assinada por 154 países, incluindo o Brasil, os signatários da Convenção-Quadro se comprometem a tentar estabilizar, por meio de ações conjuntas "as concentrações de gases-estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático".
A busca de alternativas de manejo sustentável da floresta e de soluções para se evitar o desequilíbrio do clima regional e global dependia da formação de uma base sólida de conhecimentos científicos sobre o funcionamento de toda a região. Era fundamental entender como se dá a interação entre os ecossistemas amazônicos e a interação desses ecossistemas com a biosfera-atmosfera; simular modelos confiáveis para a previsão de possíveis conseqüências das atividades antropogênicas em várias escalas, entre outras grandes questões associadas ao estudo da interação da Amazônia e a biosfera-atmosfera.

A complexidade dessas questões exigia a implantação de um projeto que fosse abrangente e, ao mesmo tempo, integrado e multidisciplinar.
Entre 1992 e 1995, uma série de encontros e workshops patrocinados por instituições brasileiras e internacionais reuniu cientistas nas áreas de meteorologia, química da atmosfera, biogeoquímica, ecologia e hidrologia para a elaboração do plano científico do LBA. Dentre as instituições brasileiras, participaram o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade de São Paulo (USP). No âmbito internacional, o Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (IGBP), Global Energy and Water Cycle Experiment (GEWEX), Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA), Comissão Européia, Instituto Inter-Americano para Pesquisas sobre Mudanças Globais (IAI), entre outros programas. Com o apoio desses importantes programas, foi elaborado o plano do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera (LBA) com o objetivo de entender de que modo a Amazônia funciona no âmbito regional e de que modo as mudanças dos usos da terra e do clima afetarão o seu funcionamento - biológico, químico e físico - incluindo sua sustentabilidade e sua influência no clima global.
Em 1998, foi firmado o acordo internacional de cooperação científi ca com o governo brasileiro e deu-se início à implementação do Experimento LBA sob a supervisão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e a coordenação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) com financiamento de diversas agências de fomento brasileiras, da NASA e Comissão Européia. Em 2002, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) assumiu a coordenação do Experimento.
Desde então, o LBA vem desenvolvendo 123 projetos conjuntos distribuídos em sete componentes temáticos complementares: Física do Clima, Armazenamento e Trocas de Carbono, Biogeoquímica, Química da Atmosfera, Hidrologia e Química das Águas, Mudanças dos Usos da Terra e da Cobertura Vegetal; Dimensões Humanas das Mudanças Climáticas. Cada componente enfoca os objetivos específicos de suas disciplinas no âmbito dos objetivos comuns do LBA.
Temas |
No. Projetos |
Química da Atmosfera (AC) |
7 |
Armazenamento e Trocas de Carbono (CD) |
33 |
Dimensões Humanas (DH) |
5 |
Mudanças dos Usos da Terra e da Vegetação (LC) |
27 |
Biogeoquímica (ND/TG) |
21 |
Física do Clima (PC) |
25 |
Hidrologia e Química das Águas (SH) |
5 |
Total |
123 |
Os dados das pesquisas são obtidos por metodologias diversas que compreendem coletas à superfície, em torres instrumentadas e observações em múltiplas escalas espaciais e freqüências temporais por sensoriamento remoto envolvendo um amplo conjunto de satélites e aviões instrumentados. Observações em diferentes escalas permitem a integração de informações e processos relativos às trocas - entre biosfera e atmosfera - de carbono, gases-traço, água e energia.
A integração dos resultados dos vários componentes permitirá quantificar o balanço de carbono da Amazônia e descobrir de que modo esse balanço responderá ao clima e às concentrações de dióxido de carbono no futuro por meio desse conjunto de medições e modelos aperfeiçoados. A síntese resultante da integração de resultados fornecerá um melhor entendimento de todo o ecossistema amazônico sob as condições de mudanças de clima e de usos da terra.
Cooperação Internacional
De 1998 a 2004, 1713 pesquisadores (1000 brasileiros e 713 estrangeiros) vêm desenvolvendo projetos que envolvem parcerias entre equipes de pesquisadores de instituições brasileiras, de países da Bacia Amazônica (Venezuela, Peru, Bolívia Colômbia, Equador), dos EUA e de oito países europeus.
Instituições / parcerias |
Brasil (estados amazônicos)
|
34 |
Brasil (estados não-amazônicos) |
60 |
Venezuela, Peru, Colômbia e Equador |
06 |
EUA |
43 |
Europa |
31 |
Total |
174 |
Parcerias / cooperação |
No. de Projetos |
100% brasileiros |
20 |
Brasil / EUA |
77 |
Brasil / EUA / Países Amazônicos |
4 |
Brasil / EUA / Europa |
1 |
Brasil / Europa |
16 |
Cooperação Brasil / Europa / Países Amazônicos |
2 |
Total |
120 |
Publicações Científicas
Em seis anos, o LBA alcançou resultados científicos importantes. Cerca de 450 artigos científicos foram publicados em revistas científicas e várias edições especiais sobre o LBA foram organizadas:
Edições Especiais |
Artigos |
Autoria brasileira |
Journal of Geophysical Research (2002) |
57 |
12 |
Ecological Applications |
24 |
11 |
Remote Sensing of Environment (2003) |
13 |
6 |
Global Change Biology (2004) |
26 |
9 |
International Journal of Theorethical and Applied Climatology (2004) |
12 |
7 |
Total |
132 |
45 |
Manuscritos Submetidos |
Artigos |
Autoria brasileira |
Acta Amazonica (2003) |
28 |
21 |
Earth Interactions (2004) |
25 |
Sem inform. |
Hydrological Processes (2004) |
4 |
2 |
Total |
57 |
23 |
A grande contribuição do LBA foi mostrada em sua III Conferência Científica Internacional realizada em Brasília, de 27 a 29 de julho de 2004, na qual foram apresentados 600 trabalhos científicos, dos quais 241 de estudantes e bolsistas, um contingente de jovens cientistas que representa cerca de 38% dos 1713 pesquisadores associados ao projeto. Com isso, o Projeto LBA se afirma como o maior programa de pesquisas ambientais executados em regiões tropicais.
A contribuição do LBA tem também sido fundamental para o fortalecimento das instituições de pesquisa na Amazônia. Muitas das linhas de pesquisa do LBA não eram desenvolvidas nos programas das instituições da Amazônia e do Cerrado antes de sua implantação. Conseqüentemente, a execução do LBA envolveu grandes investimentos na infra-estrutura das instituições amazônicas associadas e, especialmente, na capacitação de recursos humanos para operar equipamentos, executar e supervisionar as novas atividades de pesquisa de ponta introduzidas.
Esses esforços mostram que o LBA vem conquistando seus objetivos científicos e confirmando o seu compromisso de contribuir para o aprimoramento das instituições de pesquisa amazônicas e seus programas de formação científica. |